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Como o racismo afetou a minha vida

Lembro-me como se fosse hoje, mas já se passaram mais de trinta anos.
Meus pais recomendavam aos meus irmãos que, quando fossem sair, evitassem
usar boné, não ficassem sem t-shirts/camisetas, levassem sempre com eles o
documento de identificação, tudo isso para evitar problemas, principalmente com
a polícia. Outra recomendação era evitar entrarem em lojas e o conselho do nosso
pai era: “o segurança vai desconfiar de você e vai te perseguir. Faça tudo
corretamente onde estiverem, porque se acontecer algo errado, irão apontar,
responsabilizar as pessoas negras primeiro.”
Quando eu tinha aproximadamente dez anos de idade, foi necessário que
eu mudasse de escola, por uma questão de vagas. No primeiro dia de aula, ao
entrar na sala, um aluno disse-me: “lá vem a macaca” eu fiquei muito
envergonhada, mas também, muito furiosa, embora não tenho mais lembranças
dos minutos que se seguiram após esse triste fato. Certa vez, numa discussão fora
da escola, nós dois brigamos com agressões físicas e, após essa briga, ele não me
incomodou mais. Isso não significa que eu seja apologista de brigas, obviamente.
Recordo-me das ótimas notas que eu tirava, do lugar onde eu me sentava
(nas cadeiras da frente), de ajudar os professores, das brincadeiras no intervalo, e,
às vezes, vem-me à memória o rosto e nome do colega que me constrangeu e
agrediu-me física e verbalmente.
Não sofro com traumas desse episódio, mas é lamentável saber que ainda
existem crianças passando por isso nos ambientes escolares, um local que deve
inspirar acolhimento e onde o respeito deve ser uma importante partilha entre
todas e todos. Isso posto, ainda acredito na Educação.
Minha trajetória foi marcada por experiências que, infelizmente, refletem
a persistência dessa realidade. No entanto, graças à orientação sábia dos meus
pais, que, desde cedo, nos transmitiram a herança da resiliência, fui capacitada a
cultivar uma autoestima inabalável, compreender o valor intrínseco da minha
identidade e reconhecer a importância de combater o racismo. Desta sorte,
compreendi que a minha voz é valiosa e que eu mereço ocupar espaços em todos
os aspectos da vida social.

Embora muitas pessoas racializadas passem por situações semelhantes, é
relevante o autoconhecimento como ponto de partida e força motriz para termos
condições de enfrentar tantos constrangimentos do racismo que tanto nos afetam,
de modo que muitas pessoas carregam traumas da infância até a vida adulta e,
consequentemente, geram bloqueios psíquicos, comprometendo, por exemplo a
própria autoestima.
O sistema da universalidade da branquitude originou o racismo e nós,
pessoas negras, devemos nos empenhar na valorização da nossa identidade como
um importante alicerce, a fim de enfrentarmos as adversidades desse fenômeno
sócio-histórico, que, no passado e, ainda, no presente, persistem em nossas
experiências de vida.

Autora:
Laudicéia Nascimento

Professora, escritora e palestrante

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