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Pretos quase pardos, pardos quase brancos

Inicio este texto com a emblemática frase, que nos mostra que, sim, o racismo não
tem cor e sim cores, gradações de um mesmo tom de pele preta que vai branqueando e
se “valorizando” quanto mais próxima chegue do imaculado tom branco.

Percebemos que este não é um fenômeno recente, que hoje podemos estudar
dentro do tema colorismo, é algo que surge desde o início da miscigenação entre negros,
brancos e índios. Desde que os primeiros escravizados trazidos d’África aportam nas
Américas e em partes da Europa, auxiliando na construção de um novo mundo, na
criação de novos continentes antes mal povoados, tendo nesse processo suas identidades
e trajetórias apagadas, tornando-se invisíveis. Esta invisibilidade perdura até nossos dias
com o objetivo de que

“a escravidão desse certo e tivesse aceitação, ela precisava ter um
respaldo moral, uma justificativa para que aqueles que usufruíam dos escravos
pudessem fazê-lo com a consciência tranquila. E para minimizar o estrago causado pela
exploração, os escravagistas construíram uma realidade imaginada ao «coisificarem»
homens e mulheres negros” (Santos 2019, p.17)

       

Assim, percebemos manifestações racistas dentro das próprias famílias negras,
que distinguem como ser melhores ou mais capazes de enfrentar a vida em sociedade os
filhos que tenham a cor da pele mais clara. Conforme o pensamento da autora bell
hooks a nossa aparência é como as pessoas nos veem. A pele dela é escura. Seu cabelo é
alisado com química. Ela não só está completamente convencida de que o cabelo
alisado é mais bonito do que o cacheado, o crespo, o cabelo natural, como acredita que a
pele mais clara a torna mais digna, mais valorizada aos olhos dos outros […]”
internalizam-se “os valores e a estética da supremacia branca” e adquire-se “uma forma
de olhar e ver o mundo que nega” o valor da negritude (hooks, 2019, p. 35)
          

Vemos nas escolas o desprezo entre os alunos por colegas que tenham o tom de
pele mais escura e são vistos como menos capazes, menos inteligentes e menos belos
que os negros quase brancos pois “as premissas do movimento da eugenia trouxeram as
explicações de tais fenômenos para o Brasil, classificando-o como um exemplo de
ineficácia biológica hereditária” e, desta feita, permitiu-se que, conforme a gradação “da
cor da pele as pessoas se sentissem mais ou menos privilegiadas umas em relação às
outras. O que ainda prevalece, tanto nos espaços escolares como na sociedade, em geral, é uma grande estratificação baseada nos conceitos de classe social e
principalmente na constituição racial do povo” (Cavalleiro, 2001, p. 16).
          

Assim, atos e falas ofensivas e preconceituosas (“vem cá tição”, “sai pra lá seu
preto”, “cabelo de bombril”, “carvão”, “nêgo”, “fundo de panela”, “queimadinho”
), que
pardos quase brancos, filhos de pais pretos, lançam sobre colegas de pele mais retintas,
sendo necessários trabalhos de intervenção pedagógica constante para o respeito e a
convivência harmoniosa e digna, de forma que todos se reconheçam e se sintam como
irmãos, todos frutos de uma mesma mestiçagem, que se intensifica no período após
abolição da escravatura, tendo seu ápice entre as décadas de 1920 e 1930, onde o
conceito de eugenia reforça a necessidade de “branqueamento da raça”.
          

Vivemos pois numa eugenia, na sociedade contemporânea onde quanto mais claro
for o tom de pele, mais valorizada a pessoa será, pois sobre ela não reincidirá o
preconceito racial, de modo que não apresentará o fenótipo considerado inferior ou
indesejado por uma parcela da sociedade, através da qual, “quando falamos de raça e
racismo no Brasil, devemos considerar aquelas práticas discriminatórias baseadas não
na ascendência dos indivíduos, mas sim em suas características fenotípicas, tais como
cor de pele, tipo de cabelo, formato do nariz e lábios” (Cunha et al, 2018, p.27).
          

Como então lidar com o racismo e resgatar a autoestima e orgulho daqueles que
sofrem ou sofreram preconceito racial? Este é um tema vasto, que deve encimar a
reflexão sobre muitas questões e embasar as ações afirmativas de respeito, valorização
do povo negro e de sua luta, tornando-o finalmente visível em suas necessidades e
anseios.

por Márcia Janini

Referências bibliográficas:
CAVALLEIRO, E. Racismo e anti-racismo na educação: repensando nossa escola. São Paulo: Selo Negro, 2021. CUNHA, J. Aprendendo a conviver, módulo II- livro 2: bullying, racismo e discriminação racial. Curitiba: NEAB-UFPR, 2018. HOOKS, B. Olhares negros: raça e representação. São Paulo: Elefante, 2019. SANTOS, A. Rastros de resistência: histórias de luta e liberdade do povo negro. São Paulo: Panda Books, 2019.

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