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O fenômeno colorismo como projeto colonial e o impacto no corpo da mulher negra

Entendemo-lo como fenômeno por ser um “facto ou evento” social e histórico “que pode ser descrito e explicado cientificamente” (Houaiss et al, 2011, p. 1099) e vale referir que “as origens do colorismo” decorrem de processos históricos da escravatura e do colonialismo europeu nas Américas (Hunter, 2007, p. 238).

No contexto do projeto colonial, “o negro” é desprovido de “cultura”, não tem “civilização, nem o longo passado de história”, o que pode ser “a origem dos esforços de os negros contemporâneos” tentarem “provar ao homem branco” a “existência de uma civilização preta” (Fanon, [1952] 2017, p. 30).

Ao corpo da mulher negra resta perscrutarmos “um passado racista”, através do qual, a objetificação era uma constante, pois “as escravas” eram expostas em “tablados de leilão enquanto donos e participantes descreviam suas partes importantes, as mais vendáveis” (hooks, 2019, p. 131). Portanto, como entendermos o corpo da mulher negra cuja imagem da “sexualidade” era parte de “um aparato cultural racista do séc. XIX e que ainda moldam as percepções hoje”? (hooks, 2019, p. 130). Uma importante indagação para refletirmos sobre o corpo da mulher negra, como parte da estrutura capitalista de um projeto colonial.

Michel Foucault designou esse fenômeno, no âmbito das relações de poder, como a “tecnologia do poder sobre o corpo”, de modo que “define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros, não simplesmente para que façam o que se deseja, mas para que funcione como se quer” (Foucault, [1975] 2021, p. 160).  Isso posto, ratificamos que o colorismo assenta numa ideologia, tal como racismo, no sentido de se tratar de um fenômeno enraizado na história e quem tem como fundamento as relações de dominação da supremacia branca. Na verdade, desde a “escravatura que as gentes brancas estabeleceram uma hierarquia social assente na raça”, mas também “no sexo”, nomeando lugares específicos, numa espécie de pirâmide social, por meio da qual o homem branco era privilegiado num estatuto de primeiro lugar, a mulher branca em segundo, o homem negro em terceiro e a mulher negra “em último lugar” (hooks, 2018, p. 93). Então, entendemos que raça e gênero são elementos estritamente ligados.

Para a antropóloga Lélia Gonzalez, às “mulheres negras, o que se observa é que, por maior que seja a capacidade que demonstre, ela é preterida” e ainda ressalta o fato de lermos os anúncios de jornais, no Brasil, “na seção de empregos, as expressões ‘boa aparência’, ‘ótima aparência’ etc. o que constitui um código cujo sentido indica que não há lugar para a mulher negra” (Gonzalez, 2020, p. 42). Assim, a representação do corpo assenta em um arquétipo de “lugares subalternos e de pouco prestígio social”, e, desta sorte, “são consideradas pouco capazes porque existe todo um sistema econômico, político e jurídico que perpetua essa condição de subalternidade” (Almeida, 2021, p. 67), em virtude de um processo histórico pautado em um passado colonial. Desta feita, persiste-se a ideia de que corpos racializados não são reconhecidos com a mesma dignidade humana, tal como as pessoas de pele branca que permanecem num estatuto universal e privilegiado para manutenção social e capitalista, no mundo contemporâneo.

Por Dayse Alfaia – 19-08-2023

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